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Hoje saí de casa de madrugada. Gosto de sentir o frio a dificultar-me a respiração e a rachar-me os ossos. Fui apanhar o autocarro umas três paragens mais à frente do que é habitual e estaquei em frente a um quiosque. Percorri as primeiras páginas dos jornais e fiquei deprimido. Dois senhores já com uma certa idade falavam sobre o aumento do passe da carris e eu, fingindo estar perdido, meti conversa com eles.

Eu: Bom dia.
Eles: Bom dia jovem.
Eu: Sabem onde é a casa da madamme Formidable?
Eles: Não conheço ninguém com nome estrangeiro. Desculpe mas não o podemos ajudar.

Agradeci, continuei e lá apanhei o autocarro em direcção a mais um dia de trabalho igual a tantos outros. Costumo frequentemente meter conversa com desconhecidos, por vezes perguntas simples como: "Que horas são?" Às vezes entro num certo delírio e formulo histórias complexas que desejo que me levem a lugares estranhos. A tentativa de fuga ao quotidiano leva-me a ter este tipo de atitudes pouco sãs. Mas, na minha opinião, a sanidade ainda não foi muito bem definida. Continuo a servir de cobaia para as minhas próprias dúvidas.
O autocarro ia cheio de pessoas revoltadas. É assim que eu olho para elas. Miseráveis forçados à escravidão. Apetecia-me gritar: "Libertem-se gente oprimida! Vamos tirar as roupas e fazer amor uns com uns outros!" Mas depois pensei que estava a ter ideias um pouco retro, que os anos sessenta já passaram e... realmente seria estúpido. Sendo assim, continuei sossegado a ouvir o audio book do "Cadernos do Subterrâneo" do Dostoievski e a pensar que uma kizomba faria melhor ao meu estado de espírito, mas esse pensamento ainda me fez ficar mais deprimido.