Sóbrio

"Jack, O Vampiro Medroso", como ele próprio gostava de se intitular, olhava-se ao espelho. Do lado de lá nada via apenas o quarto escuro e frio onde tinha passado os últimos anos. Arrastava o olhar demoradamente pela cama sempre por fazer, pelo pó que se regenerava silencioso, pelos ecos difusos de um mundo indiferente lá fora, pelo velho jarro de metal seco há vários meses, pelo livro do qual se tinha esquecido do título. Teria sido ele a escrevê-lo? A moldura quebrada no chão, as paredes sujas, os insectos que iam e vinham e morriam por lá. "Sim." - pensou ele - "Isto é um cenário muito manhoso. Já vi isto em algum lado... típico." Como que se acossado pela indiferença do seu tédio, pegou na sua roupa mais dark mas também cool e saiu à rua. "É dia? Caguei!"
Sempre foi um jovem atormentado. Cheio de dúvidas. Deslocado. Uma redundância, diria ele se lesse isto. Mas não seria ele já alguém em crise de meia idade? E se morresse brevemente? Seria, um idoso em arrependimento? Um comunista reconvertido a Deus?
Jack, de nome verdadeiro João, recebeu com estranheza os raios de sol do que aparentemente seria uma manhã de Verão. Não conhecia nada nem ninguém. Dois homens de gravata que trocavam impressões bem dispostos. Um velha que transportava vários sacos de compras e parecia zangada com qualquer coisa. Uma criança chateava uma avó que cumprimentou a senhora das flores e que agora o queria obrigar a dar-lhe um beijo. Um jovem arrastava o corpo de maneira estranha e um pouco estúpida enquanto parecia ouvir música. As ruas eram estreitas, os prédios não muito altos e todos semelhantes. Tinham pequenas varandas, algumas adornadas com flores. Jack, virou à esquerda. Mais uma rua semelhante, mas esta com jacarandás a dar um estranho tom às ruas.