sexta-feira

#4

Mais uma viagem que já foi feita. Estou sentado a lembrar-me. Vou agitando o copo ao sabor da brisa musicada que vai saindo ali do canto. É fácil perder-me. De repente já estou sentado pouco confortavelmente num sofá sujo e a contar outras viagens passadas. Viagens de viagens de viagens... O riso solta-se facilmente e o tempo que passa não preocupa ninguém. O absurdo dá o mote a mais um sessão terapeutica. Não há preocupações que apoquentem os participantes. Cada um vai juntando alegremente inutilidades do seu dia a dia. À medida que me ia lembrando mais melancólico me sentia. Estava só. Tinha tido um discussão estúpida com a Joana e agora os cabelos brancos assustavam-me mais do que nunca. Os amigos estavam, diria que propositadamente, distantes. Uma conjuntura astral adversa estava a exercer o seu poder em mim. Agitava o copo solitariamente e dava goles tímidos com medo que a bebida se desvanecesse. Comecei a olhar em volta para tentar afastar a melancolia e fixei o olhar na simpática barmaid que me atendia sempre com toda a simpatia. Era tão nova. Pelo menos para mim. Tinha o cabelo longo e escuro e aposto que sedoso. Os olhos castanhos grandes eram misteriosos e pareciam sorrir timidamente quando olhavam na minha direcção. Mas no fundo, apenas estava a fazer o seu trabalho da maneira mais simpática possível. Gostava de lhe pedir o número de telefone e que ela sorrisse como se fosse uma brincadeira minha. Depois, no final da noite, passava um papel gatafunhado com o número escrito com o seu baton vermelho. Tinha de ser um número fixo. Apenas com cinco dígitos. Na noite seguinte telefonava-lhe e imaginava o velho e estridente telefone a praguejar do outro lado. Ela atendia depois de deixar tocar até parecer que tocava desde sempre, só para me deixar ainda mais ansioso. Depois atendia com uma voz quente, bem diferente da que falava comigo quando atendia o meu pedido no bar.
-Sim?
-Sou eu.

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